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Entrevista a Paulo Grilo, treinador de guarda-redes do CSKA Sofia

Entrevista a Paulo Grilo, treinador de guarda-redes do CSKA Sofia
11 Agosto, 2014 | por Roberto Rivelino
Entrevistas

Diz-se que o guarda-redes é o reflexo do seu treinador de guarda-redes e aos 45 anos, Paulo Grilo vive uma das melhores fases da sua carreira, também graças ao que Raïs M’Bolhi fez em 2013/2014 e no Mundial do Brasil.

O trabalho desenvolvido pelo Português no CSKA Sofia impulsionou um Campeonato do Mundo de alto nível por parte do guardião Argelino. A relação entre “professor” e “aprendiz” foi de “amor à primeira vista”, mas agora separaram-se: Paulo Grilo continua em Sofia, no CSKA, enquanto M’Bolhi partiu para os Estados Unidos, assinando com o Phildalphia Union.


O Mundo dos Guarda-Redes entrevistou o antigo keeper de clubes como Estoril ou Atlético CP e que enveredou pelo treino de guarda-redes ao serviço do Ettifaq FC, Al Sharjah, Al Ittihad, Tractor e, desde 2013, no CSKA:

Roberto Rivelino: O Paulo teve uma vasta carreira nos escalões secundários de Portugal. Como era ser-se guarda-redes no segundo plano nacional nos anos em que actuou?
Paulo Grilo: Ser guarda-redes na minha altura tinha umas diferenças enormes para o que é hoje a actualidade. Nos 20 anos que tive como profissional poucas vezes tive o privilégio de ter um treinador de guarda-redes específico e com qualidades para desenvolver as minhas capacidades e dos meus colegas, eram os anos em que os guarda-redes eram vistos como apenas mais um jogadores que estava no campo e não se fazia ideia da importância que o guarda-redes tinha no jogo. Pensavam apenas que servia para defender as bolas quando fossem à baliza. Não havia capacidade nessa altura para perceber que o guarda-redes tem um papel fulcral na equipa, a todos os níveis.

Raïs M’Bolhi e Paulo Grilo lado a lado

 

RR: Como era o Paulo debaixo dos postes? Agora que é treinador, alterava algo na sua abordagem enquanto guardião?
PG: Eu era um guarda-redes de trabalho. Era um apaixonado por treinar e talvez por isso tenha conseguido acabar apenas com 38 anos. Não era um guarda-redes com um nível muito elevado, mas tinha 2 pontos muito fortes a meu favor: a capacidade de trabalho e de, para a época, ser tecnicamente mais evoluído que os outros. Penso que a técnica e posicionamento foram os meus maiores trunfos nos anos que joguei.
É claro que mudava muita coisa, mas era impossível, pois na altura, não havia conhecimento dos treinadores para mais e, muito menos, a abertura que existe hoje entre guarda-redes e treinador.
RR: Estando no meio dos guarda-redes há quase 4 décadas completas, quais são as maiores mudanças que pode constatar, desde a sua iniciação como guardião, até aos dias de hoje, como treinador específico?
PG: São enormes as mudanças desde a importância que o guarda-redes agora tem no plano táctico da equipa, desde as regras do jogo, que obriga o guarda-redes a ter uma capacidade técnica muito maior, pois grande parte das intervenções são feitas com os pés. Na minha altura podia-se agarrar a bola e depois chutar apenas para a frente. O treino evoluiu de tal maneira que, apenas como exemplo, os guarda-redes do Mundial fizeram jogos magníficos e faz parte da grande evolução que houve no treino e depois as condições de treino: existem bons campos de Futebol e material para que se possa desenvolver um trabalho muito bom.
RR: Assim que terminou a sua carreira tornou-se treinador de guarda-redes. Houve algum desejo seu em regressar às balizas?
PG: É verdade. Quando acabei de jogar, passados 20 dias, estava na Arábia Saudita a treinar na equipa técnica do mister Toni Oliveira e, realmente, foi doloroso, pois tinha a sensação que me faltava algo e muitas vezes pensar que não era aquilo que eu queria. Era uma enorme dor não poder treinar e jogar. Sentir aquela pressão do jogo. Tudo é diferente com treinador, mas vamo-nos habituando e o tempo faz com que essa dor e desejo de jogar pasem.
RR: Quais foram as diferenças culturais mais notáveis que notou na abordagem de treino de guarda-redes entre Portugal e a Arábia Saudita?
PG: Isso foi um grande choque. As diferenças foram abismais. Na Arábia não há grandes preocupações com a formação e, então, quando chegam aos seniores é como se estivesses a treinar jovens em Portugal com 15/16 anos e, depois, toda a cultura e costumes, como por exemplo ter que parar treinos porque estava na hora da reza. Acima de tudo, a mentalidade para perceberem que são profissionais é muito dififícil de incutir, mas foram 3 anos incríveis e com o tempo tudo mudou e passou a ser uma rotina normal de treino.
Paulo Grilo a treinar Agil Etemadi no Tractor

 

RR: Qual foi a maior exigência que lhe fizeram enquanto guarda-redes e qual é hoje a maior exigência que coloca aos seus guardiões?
PG: As exigências, que foram a mim colocadas, eram básicas, pois, na altura, apenas se resumia tudo a duas palavras. Ou “estiveste bem” ou “mal”. Ninguém me abordava com um relatório de jogo com um vídeo para me explicar fosse o que fosse. Apenas se baseavam no que tinhas feito no jogo. Ou umas defesas “porreiras” ou a tal palavra que os guarda-redes odiavam: “deste um frango”. Era incrível.
Hoje em dia, eu tenho umas exigências muito maiores com os meus guarda-redes porque, para além de saber que têm um treino de grande qualidade, terem os treinos filmados e depois a análise para melhorarmos o compacto do jogo, as pequenas reuniões que fazemos todos os treinos são previamente discutidas para que entendam melhor o que se pretende do treino e que momentos estamos a treinar. Hoje em dia eu exijo muito dos meus guarda-redes pois têm tudo para responder a todas as exigências do jogo.
RR: Quais são as principais características que, para si, fazem um bom guarda-redes?
PG: Para mim, para seres um guarda-redes de topo tens de ter umas qualidades físico-técnicas e psicológicas muito fortes, e ter também capacidade de sacrifício, vontade de querer sempre mais. Depois, desde que tenhas a felicidade de ter um treinador de guarda-redes contigo e estares inserido num clube que te possa dar tempo e que entenda que um guarda-redes precisa de tempo para crescer, tudo se torna mais fácil. Talvez seja por isso que na Alemanha se fazem tão bons guarda-redes, porque lá a mentalidade é outra. Há que dar tempo a um guarda-redes jovem para que ele consiga ultrapassar todos os passos ao seu crescimento.
RR: Em 2013/2014 trabalhou com Raïs M’Bolhi no CSKA. Como foi ver o trabalho e o destaque que o Argelino recebeu e mereceu no Mundial’2014?
PG: O Raïs é, simplesmente, um guarda-redes que está a atravessar o melhor momento da carreira dele. Fez uma época fantástica aqui na Bulgária, sendo o guarda-redes com melhor média de golos sofridos de todos os campeonatos da Europa, com 20 golos sofridos em 38 jogos, e teve um profissionalismo e dedicação como nunca tinha visto.
RR: Que influência teve em M’Bolhi, fazendo um resumo de final da temporada? Em que aspectos melhorou e em quais achou que podia trabalhar mais, ou melhor?
PG: Ele apenas me dizia para lhe fazer melhorar, que queria ser o melhor, e isso era motivante. Não havia limites para ele. Era incrível a sua capacidade de trabalho e no que ele se focou em querer fazer a diferença. Isso trouxe os resultados que queríamos e ele felizmente teve um Mundial para recordar e bem mereceu este momento. É grande este menino.

Como toda a gente sabe, porque é público, eu e o Raïs temos uma relação muito forte, que vai para lá de treinador/guarda-redes, pois ele sabe a minha capacidade de trabalho e a paixão que tenho pelo treino e ele está apenas focado na sua carreira e isso foi, como se fiz, “amo à primeira vista”. Ficámos ligados, só queríamos treinar e melhorar dia após dia. Ele tem uma confiança em mim muito grande, pois viu as mudanças que teve e via os resultados treinos após treinos.
Penso que as grandes mudanças neste Raïs de hoje são a concentração dentro de campo e o seu posicionamento no jogo. Evoluiu de uma forma incrível e neste momento tem muito mais para dar porque simplesmente quer mais e agora entende o jogo de uma forma única.
Paulo Grilo no Atlético CP

RR: Qual foi o melhor guarda-redes com quem já trabalhou como guarda-redes e como treinador da posição?
PG: Sem dúvida que o Raïs é o melhor de todos, o mais completo, e também o Agil Etemadi foi uma das surpresas. É muito completo e fez uma grande época quando estive no Irão [no Tractor], que lhe valeu uma chamada há selecção quando tinha estado 2 anos sem jogar devido a uma lesão.

RR: Tem algum momento que marque o seu trabalho como guarda-redes ou treinador?
PG: Para isso apenas tenho um nome que define tudo isso: Raïs M’Bolhi.RR: Qual é a sua maior ambição para o seu futuro como treinador de guarda-redes?
PG: Eu continuo todos os dias a trabalhar e a tentar ser melhor. Claro que tenho tido a felicidade de a minha vida como treinador estar todos os anos a melhorar, mas penso que tenho muito para ganhar e muitos dos meus sonhos ainda estão por concretizar. Neste momento apenas quero evoluir ainda mais e poder, no futuro breve, ser uma referência no treino dos guarda-redes. Se fosse possível, adorava continuar o trabalho com o Raïs pois ainda há muito para ele evoluir e mostrar ao Futebol.

RR: Qual é a sua abordagem e metodologia ao e no treino de guarda-redes?
PG: Eu não tenho grandes segredos ou truques. Sou apenas um apaixonado pelo treino e passo horas a ver e rever treinos e vídeos de jogos onde há intervenção dos guarda-redes. Depois, em relação aos treinos, os meus exercícios passam muito pelo que vejo em jogo e nos momentos do mesmo. Depois faço o “transfer” disso para o treino. Tenho os meus exercícios, que são os que penso que podem trazer grandes melhorias nos guarda-redes e depois temos de adaptar o treino em relação aos guardiões que temos.
Mas, basicamente, o meu foco é o jogo e daí consigo ter a ideia de tudo que preciso para o treino. A minha maior preocupação com o guarda-redes é a nível de posicionamento no campo/técnica/tomada de decisão.
Faço, também, do vídeo uma das minhas grandes ferramentas de trabalho, pois os treinos filmados podem ser uma mais valia no evoluir do guarda-redes.

 

Mensagem para O Mundo dos Guarda-Redes:

O Mundo dos Guarda-Redes é sem dúvida uma grande referência de qualidade. Os meus parabéns pelo trabalho desenvolvido.